MULHERES, RAÇA E CLASSE: PRINCIPAIS IDEIAS APRESENTADAS POR ANGELA DAVIS.


MULHERES, RAÇA E CLASSE: PRINCIPAIS IDEIAS APRESENTADAS POR ANGELA DAVIS

         Angela Davis - Getty Images

INTRODUÇÃO 

    Muito se tem discutido, recentemente, sobre as ideias defendidas pelos movimentos sociais. Desse modo, vendo que os mesmos estão em pauta nos debates com ideias como feminismos e combate ao racismo e homofobia, por exemplo. Nota-se que ocorrem muitas campanhas nas redes sociais dialogando sobre o assunto. Portanto,  pode-se pensar o que as principais filósofas tem a dizer sobre isso? Qual sua influência neste processo? E nessa linha de pensamento, é possível pensar em alguns nomes que estão presentes nestes movimentos sociais e suas implicações. mais propriamente Angela Davis, qual o seu papel nos movimentos sociais? Para responder tais perguntas o texto tem por foco abordar os principais elementos da obra Mulheres, raça e classe. Ao praticar sua leitura, é importante estar atento aos principais argumentos apontados pela autora, Angela Davis, tanto no que se refere a defesa dos direitos da mulher negra e dos trabalhadores, quanto aos exemplos que a filósofa expõe no decorrer do texto. É importante ressaltar também que ao longo da obra são citados filósofos (as) como Mary Wollstonecraft (1759 - 1797), Karl Marx (1818 - 1883), Friedrich Engels (1820 - 1895) e  Hegel (1770 - 1831), entre outros.

1.1 Biografia de Angela Davis
    
    Angela Yvonne Davis (1944 - ) é filósofa, ativista e professora do departamento de estudos feministas da Universidade da Califórnia. Ela participou do grupo Panteras Negras e do Partido Comunista dos Estados Unidos. Também, concorreu à presidência concorrendo como vice durante a campanha. No âmbito do ativismo, além do feminismo, ela é uma grande representante na luta contra a discriminação social e racial. Angela é uma das filósofas mais comentadas no século XXI. E por isso, é necessário refletir sobre seus livros.

1.2 As condições enfrentadas pelas mulheres negras no período da escravidão

    Logo no inicio da obra, Angela diz ao leitor que é necessário compreender a situação da mulher negra escrava. Também, é preciso avaliar a condição da mulher negra como trabalhadora nas casas e lavouras. A filósofa aborda também os estereótipos vividos por essas mulheres nesse período difícil.
   Desse modo, ao relatar sobre as dificuldades e atrocidades sofridas por essas mulheres, ela afirma, a opressão sofrida pelas mulheres negras escravas nas lavouras eram as mesmas que as dos homens negros, muitas vezes até mais, devido aos abusos. A autora condena os estupros, abusos e as outras formas de violência sofridas pelas mulheres negras e os homens negros no período da escravidão, também, os abusos às mulheres grávidas e mães  junto as más condições de trabalho onde tinham que manter presente à rotina nas lavouras os seus pequenos filhos. Sendo assim, é apontada a igualdade como característica das próprias relações sociais das pessoas negras em seu cotidiano no período da escravidão, e, infelizmente, ambos sofriam variados tipos de violência. Logo, Angela aponta as diferenças entre oque eram as opressões sofridas pelas mulheres brancas e negras "As mulheres negras eram mulheres de fato, mas suas vivências durante a escravidão – trabalho pesado ao lado de seus companheiros, igualdade no interior da família, resistência, açoitamentos e estupros – as encorajavam a desenvolver certos traços de personalidade que as diferenciavam da maioria das mulheres brancas." (DAVIS, 2016, p. 40). Vejamos os traços que serão citados pela filósofa a seguir...

1.3 Como as mulheres brancas lutaram também em defesa do abolicionismo 

    Ao descrever as lutas das mulheres negras no período da escravidão, Angela afirma que "Foram essas mulheres que transmitiram para suas descendentes do sexo feminino, nominalmente livres, um legado de trabalho duro, perseverança e autossuficiência, um legado de tenacidade, resistência e insistência na igualdade sexual – em resumo, um legado que explicita os parâmetros para uma nova condição da mulher." (DAVIS, 2016, p. 41).  De fato, o movimento de defesa dos direitos das mulheres e dos negros é resultado da resistência dessas mulheres perante a realidade hostil a qual estavam inseridas e suas lutas por condições mais dignas e sobrevivência. 
      É importante ressaltar que na obra são citado nomes como Frederick Douglass (1818 - 1895)  que foi um importante abolicionista negro e defensor dos direitos das mulheres no século XIX, muito julgado no seu período e Prudence Crandall  (1803 - 1890), professora que defendeu a inclusão de alunas negras na escola onde trabalhava, gerando muitos protestos de pais de alunos e pessoas influentes de sua cidade, sobre isso, Angela diz que "A defesa inabalável de Prudence Crandall do direito de pessoas negras à educação foi um exemplo dramático – e mais poderoso do que se poderia imaginar – para as mulheres brancas que sofriam as dores do parto da conscientização política. De forma lúcida e eloquente, as ações de Crandall falavam sobre as vastas possibilidades de libertação caso as mulheres brancas, em massa, dessem as mãos a suas irmãs negras." (DAVIS, 2016, p. 53).
     Posteriormente ela aborda elementos práticos e ideológicos no período da introdução do capitalismo industrial no modo que eram vistas e tratadas as mulheres, e apresenta que expandiu-se ainda mais a ideia da inferioridade feminina. Em 1831, às mulheres já lutavam por educação e sua profissão, havia também a luta contra a opressão enfrentada nos casamentos por parte das mulheres da classe média e a luta das trabalhadoras por melhores condições de trabalho e salários nas fábricas. Portanto, em 1830 tanto as mulheres brancas trabalhadoras quanto as da classe média, de certo modo, estavam ao lado do movimento por condições mais justas e humanitárias para as mulheres, mesmo que não unidas propriamente.
   A autora afirma que "Trabalhando no movimento abolicionista, as mulheres brancas tomaram conhecimento da natureza da opressão humana – e, nesse processo, também aprenderam importantes lições sobre sua própria sujeição. Ao afirmar seu direito de se opor à escravidão, elas protestavam – algumas vezes abertamente, outras de modo implícito – contra sua própria exclusão da arena política. Se ainda não sabiam como apresentar suas reivindicações coletivamente, ao menos podiam defender a causa de um povo que também era oprimido." (DAVIS, 2016, p. 55).
      Desse modo, é possível afirmar que Angelina Grimké (1805 - 1879), influente oradora e sua irmã Sarah Grimké (1792 - 1873) grande escritora de Cartas sobre a igualdade dos sexos e a condição das mulheres tiveram atitudes de suma importância para os movimentos, assim como, a atitude nobre da professora Crandall, tanto para a a defesa dos direitos, quanto da educação para mulheres e crianças negras e  brancas pobres.

1.4 A luta pelo sufrágio feminino e a divergência com o movimento sufragista negro

    Ao iniciar o terceiro capítulo da obra, a filósofa e ativista Angela Davis apresenta Elizabeth Cady (1815 - 1902) e novamente cita Frederick Douglass, ambos envolvidos no ativismo político em defesa do voto ás mulheres. Logo, "A defesa dos direitos das mulheres não podia ser proibida. Ainda que não fosse aceita pelos formadores de opinião, a questão da igualdade das mulheres, agora encarnada em um movimento embrionário e apoiada pela população negra – que lutava pela própria liberdade –, tornou-se um elemento que não podia ser excluído da vida pública estadunidense." (DAVIS, 2016, p. 66-67). Muito mais do que apenas lutar em prol do sufrágio, haviam os aspectos negativos presentes no matrimônio, muitas mulheres viviam dependentes de seus maridos, não possuíam renda própria, plano de carreira, nem mesmo sua liberdade moral. Questões como essas foram tratadas na Declaração de Seneca Falls, mesmo que, segundo Angela, infelizmente, não atingisse as mulheres negras e as mulheres brancas  da classe trabalhadora.
    Muitas mulheres brancas da classe média foram as ruas lutar por seus direitos, especialmente pelo direito ao voto, contudo, divergiam de muitas maneiras do movimento pelo sufrágio negro: "No entanto, ao articular sua oposição com argumentos que evocavam os privilégios da supremacia branca, demonstravam o quanto permaneciam indefesas – mesmo após anos de envolvimento em causas progressistas – contra a perniciosa influência ideológica do racismo." (DAVIS, 2016, p. 93). Desse modo, a ideologia da supremacia branca estava presente no pensamento de muitas mulheres do movimento sufragista feminino. E, "A necessidade de derrotar a contínua opressão econômica do pós-guerra não era o único motivo da reivindicação especialmente urgente da população negra pelo direito de voto. A violência indecorosa – perpetuada por gangues encorajadas por quem buscava obter lucro com a mão de obra de ex-escravos –, sem dúvida, continuaria, a menos que a população negra conquistasse poder político." (DAVIS, 2016, p. 94). Sendo assim, a população negra continuava sendo alvo de discriminação, perseguição e violência. Também, as mulheres brancas da classe pobre só reivindicaram seu direito ao voto ativamente a partir do século XX, sua causa era realmente conquistar melhores condições de trabalho e salários mais justos.
   Logo, tornou-se urgente a conquista de direitos políticos a população negra e pode-se lamentar que o movimento sufragista das mulheres e movimento sufragista negro entraram em atritos, algo que, poderia estar em uma só causa, o sufrágio para todos, sem segregação racial. Angela define no século XIX "[...] a associação sufragista como uma força política potencialmente reacionária que atenderia às necessidades da supremacia branca." (DAVIS, 2016, p. 134). Ela cita nomes como Lottie Wilson Jackson (1854 - 1914), ativista pelo movimento sufragista da mulher negra, e, nesse momento, apresenta as dificuldades que Lottie e as mulheres negras encontravam no movimento sufragista branco, elas não tinham seus interesses representados. Outro fator importante, mas não menos assustador e triste é a condição que muitas mulheres negras passaram nas casas onde, posteriormente, prestaram serviços domésticos. São relatados no livro casos de abusos verbais por parte de seus empregadores brancos e até mesmo abusos sexuais e muitas dessas pessoas viam as mulheres negras como 'modelos' de empregadas domésticas, oque segundo Angela Davis, "A definição tautológica de pessoas negras como serviçais é, de fato, um dos artifícios essenciais da ideologia racista." (DAVIS, 2016, p.102). Nos parágrafos seguintes a filósofa diz que as condições de trabalho de fato não eram as melhores, era uma condição muito precária. Você já se imaginou trabalhando 72h diárias nessas condições? Atualmente, a inserção da população negra no mercado de trabalho e suas condições segue em pauta nos debates.
 Posteriormente, em reação as diversas formas de violência sofrida e o racismo, foram criadas associações de mulheres negras onde se encontravam nomes como Ida B. Wells (1862 - 1931) e Mary Church Terrell (1863 - 1954). E, além de Douglass, é importante citar o sociólogo e historiador W. E. B. Du Bois (1868 - 1963) defensor do sufrágio feminino no século XX.

1.5 A educação

     Outra questão levantada pela filósofa é a luta pelo direito á educação, segundo seus escritos, era muito difícil para a população negra possuir uma educação de qualidade devido ao racismo. Nomes como a já citada Prudence Crandall e Myrtilla Miner (1815 - 1864) incentivaram a luta pelos direitos a educação de qualidade às pessoas negras e também às pessoas brancas pobres. E na explicação dos ataques sofridos e das dificuldades do cotidiano, Angela Davis escreve uma das citações mais reflexivas da obra, onde ela expressa que "A sororidade entre as mulheres negras e brancas era de fato possível e, desde que erguida sobre uma base firme – como no caso dessa incrível mulher e suas amigas e alunas –, poderia levar ao nascimento de realizações transformadoras. Myrtilla Miner manteve acesa a chama que outras antes dela, como as irmãs Grimké e Prudence Crandall, deixaram como um poderoso legado. Não poderia ser mera coincidência histórica o fato de que tantas das mulheres brancas que defenderam suas irmãs negras nas situações mais perigosas estivessem envolvidas na luta por educação. Elas devem ter percebido como as mulheres negras precisavam urgentemente adquirir conhecimento – uma lanterna para os passos de seu povo e uma luz no caminho para a liberdade." (DAVIS, 2016, p. 120). Sendo assim, já era urgente a aquisição do direito a educação, a escola, ao aprendizado, ao saber, as universidades tanto para o povo negro, quanto para a população branca da classe baixa. Apenas o conhecimento auxiliaria as lutas pelo direito a liberdade enquanto indivíduo e cidadão.  

1.6 A influência socialista e as mulheres

     Segundo Angela Davis, o partido socialista foi o único partido político a defender o a igualdade e o sufrágio das mulheres. Com ideais marxistas, o partido contava com nomes como Pauline Newman (1887 - 1986) e Rose Schneiderman (1882 - 1972). Ao longo do capítulo ela cita nomes como Lucy Parsons (1853 - 1942), Ella Reeve Bloor (1862 - 1951), Anita Whitney (1867 - 1955), Elizabeth Gurley Flynn (1890 - 1964), Claudia Jones (1915 - 1964). 

1.7 O racismo e suas consequências
 
    Nos penúltimos capítulos da obra Angela Davis trata do tema do racismo e suas consequências como o estupro de mulheres negras e falsas acusações de delitos de homens negros, sendo muitos, inocentes e linchados. Isso, segundo a filósofa, é efeito do racismo por parte das pessoas brancas. Nesse trecho ela traz a importância de analisar minuciosamente a violência sofrida pelas mulheres e homens negros "Nas fases iniciais do movimento antiestupro contemporâneo, poucas teóricas feministas analisaram com seriedade as circunstâncias particulares envolvendo as mulheres negras na condição de vítimas de estupro. O nó histórico que ata as mulheres negras (sistematicamente abusadas e violadas por homens brancos) aos homens negros (mutilados e assassinados devido à manipulação racista das acusações de estupro) apenas começou a ser reconhecido de modo significativo." (DAVIS, 2016, p. 189). Desse modo, foram criados muitos movimentos anti-linchamentos como as Cruzadas Contra os Linchamentos e Associação de Mulheres do Sul pela Prevenção de Linchamentos. Nas páginas que se seguem a filósofa aborda elementos do controle de natalidade, práticas abusivas de esterilização, direitos reprodutivos e métodos contraceptivos para as mulheres, sua preocupação envolve refletir sobre os direitos das mulheres, o aborto e como isso é abordado nas classes pobres da sociedade. Como curiosidade, é citado a também filósofa Rosa Luxemburgo (1871 - 1919).

1.8 Sobre as tarefas domésticas

    No último capítulo da obra, a filósofa retrata os elementos da vida doméstica, onde ela diz que os trabalhos domésticos praticamente não são notados a menos que não sejam feitos e eles são muitos exaustivos para as mulheres, também é dito sobre o modelo de "dona de casa" e são feitas críticas ao sistema capitalista. Prosseguindo, é citado que "A nova consciência associada ao movimento de mulheres contemporâneo encorajou um número crescente de mulheres a reivindicar que seus companheiros ofereçam algum auxílio nesse trabalho penoso. Muitos homens já começaram a colaborar com suas parceiras em casa, alguns deles até devotando o mesmo tempo que elas aos afazeres domésticos. Mas quantos desses homens se libertaram da concepção de que as tarefas domésticas são “trabalho de mulher”? Quantos deles não caracterizariam suas atividades de limpeza da casa como uma “ajuda” às suas companheiras?" (DAVIS, 2016, p. 236). Esse fato apresentado por Angela permanece atual, muitos homens ainda possuem a visão de que a tarefa doméstica é atribuída apenas às mulheres. Em seguida, ela afirma "Em última análise, nem as mulheres nem os homens deveriam perder horas preciosas de vida em um trabalho que não é nem estimulante, nem criativo, nem produtivo." (DAVIS, 2016, p. 236). Logo, ela propõe a industrialização das tarefas domésticas e a independência feminina. 

CONCLUSÃO

     Diante do que foi exposto, é possível dizer que os argumentos apresentados por Angela Davis estão presentes nas pautas de debates feitos na sociedade no século XXI. Angela retrata exemplos vividos e lastimáveis dos fatos que a população negra enfrentou desde os tempos da escravidão até a época da publicação de sua obra no ano de 1981. Algumas reflexões feitas pela filósofa seguem em alta nos tempos atuais. Além dos aspectos já citados, a filósofa aborda a condição da mulher negra, desde a condição de escrava, trabalhadora às suas relações como mãe e mulher em busca de sua liberdade e seus direitos enquanto mulher. É abordado também o movimento sufragista feminino e a da perspectiva do movimento sufragista negro,  seus desafios e desejos por  respeito, sua busca por direitos sociais e políticos e o combate constante à segregação racial e a violência. Logo, o que a filósofa espera é que os movimentos em defesa dos direitos das mulheres preencham desde as classes baixas brancas, a classe média e população negra em geral. Não é indicado criar uma luta em que ocorra a segregação, mas sim unir todas essas causas em prol da igualdade e da liberdade.

Referências

DAVIS, Angela. Mulheres, Raça e Classe. São Paulo: Boitempo, 2016.


    





Comentários

  1. Muitas vezes achamos que conhecemos o que foi a escravidão, mas é um equivoco, Davis apresenta de forma clara e dolorosa na obra a cima comentada o que as mulheres negras e também os homens passaram. Poucas eram as mulheres negras que conseguiam trabalhar com os serviços domésticos, a maioria trabalhava de igual pra igual com seus companheiros nas lavouras. Percebesse ainda hoje a discriminação com a mulher negra.em comparação com a mulher branca da mesma classe social.Um povo que carrega de seus ancestrais a dor da escravidão, É necessário rever nossos conceitos, estamos no século XXI e a desigualdade, racismo, ainda é forte em muitos lugares do mundo.Quando há disputa por um emprego entre uma mulher branca e uma mulher negra, mesmo qualificada igualmente para tal, a mulher branca é contemplada, pois o racismo tira a chance de igualdade entre elas. A luta segue em prol das mulheres negras,

    Parabéns, a obra foi muito bem comentada, faz com que se conheça Angela Davis e o que porque de sua luta.



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